Atualidades.

1. Não há racismo. Nem machismo. Nem xenofobia. Nada existe na Pátria que abraçou os povos longínquos das terras queimadas para além do sabor doce de um passado cozinhado a lume brando, e servido mesmo assim, pronto-a-comer, numa travessa (ou levado a sua casa, à sua porta, por um "preto" suado, cansado e mal pago). 

2. Os tempos são de radicalização do discurso. Falamos da política identitária como fonte de problemas que nos amedrontam, porque nos fazem questionar a nossa memória coletiva, aquilo que aprendemos um dia nos bancos da escola primária. Vozes incómodas que nos revelam, entre copos de vinho quente, junto à lareira, que afinal o avô também batia na avó. O som estridente do vidro a quebrar-se no chão da cozinha é o som da história a quebrar a espinhas das suas narrativas.

3. É preciso, todavia, medir com cautela o valor da narrativa. Quanto vale a tua história? Que muros derruba ou denuncia, e que muros cria? Que outras histórias obnubila? Cuida que a tua história seja ferramenta, mas não objeto de dominação. Domestica-a tal que se torne produtiva. O cavalo selvagem da narrativa individual, se não for domado, é uma quase-infinita energia errática. No dia em que cessar, como astro caído, não deixa filhos.

4. O populismo entrou pelas portas, escancaradas, da opinião pública, da vida política. Está em todo o lado. O populismo é uma forma anti-ética de discutir um assunto. O protagonista assume à partida o custo de pôr de lado a sua honestidade intelectual, e vai por aí adiante, pelo debate adentro, como um cavalo esfomeado e esbaforido. Alimenta-se das suas próprias falácias e regozija no olhar assustado do oponente, que vai perdendo a contenda (como perderia sempre). O populista não sabe para onde vai. Segue ofegante no seu trajeto aleatório. Parece nunca se cansar, porque se autoalimenta. É uma máquina altamente eficiente. Não ouve a sua própria voz por cima do barulho do seu motor em chamas. Não vale a pena correr contra o populista: sozinho, implodirá. 

Pedro Eduardo Ramos 

  
Mark Rothko, Rothko in Black and White. Photos from the Guggenheim retrospective No 10, 1950

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