Notas sobre a pandemia.

1. COVID-19 é um nome mecânico que não se dá a poesias, o que é pena. Peste negra, cólera, gripe espanhola, gripe suína: foram nomes informativos que trouxeram consigo um imaginário próprio, propício a uma contextualização imediata. COVID-19, bem sei, resulta de uma nomenclatura que abrevia a etiologia vírica da doença e identifica o ano de surgimento, mas é infeliz que tenhamos de inundar os meios informativos com letras em caixa alta. Sobretudo quando a pandemia, em si mesma, é motivo de sobra para histerismos. 

2. Sendo fundamental para a contenção da propagação da doença, o "isolamento social" recomendado pelas autoridades de saúde é um regresso a casa. Depois de anos condenados à rotina apressada, fazendo dos domicílios dormitórios, vemo-nos obrigados a um reencontro. As famílias, cujas fraturas ocultas crepitam no subsolo das habitações (que é um subconsciente das almas), verão reerguer-se a atmosfera tensa da coabitação permanente. Não podemos esquecer a consciência do privilégio de ter uma casa confortável e acesso a bens essenciais e não-essenciais. E lembrar o drama crescente das casas cada vez mais exíguas, onde os habitantes se apequenam, comprimidos pelas paredes, corredores estreitos, espaços partilhados.

3. Vive-se a incerteza, que é sinónimo de ansiedade. A saúde mental está em crise porque se relaciona com a saúde pública. Todas as saúdes são uma saúde. Uma pandemia como esta permite olhar para o coletivo como uma soma de esforços individuais que são interdependentes, e há nisso a didática fundamental da comunidade. Estamos juntos, quer queiramos ou não. Nem todos usufruímos da felicidade de ter meios materiais e intelectuais para processar o que está a acontecer em Portugal e no mundo, da velocidade à quantidade de informação. Os restantes, como sempre, ou fogem (ignorando), ou lutam (açambarcando) ou paralisam (entrando em pânico). Nada mais humano. 

Pedro Eduardo Ramos

Maria Helena Vieira da Silva, Composition 55, 1955




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