Mães e árvores.


Há uma praia quase deserta que se debruça assombrosamente para o nascer da noite.

Penso que é urgente conhecer os nomes das árvores. É possível saber-se das árvores o nome pela contemplação das folhas. Também é possível conhecer os homens pela contemplação dos filhos. A árvore é plena e viva na antecipação do fruto. Não há motivo nenhum para que não seja possível conhecer as pessoas pela contemplação das mãos.

Os videntes estão sempre certos. Dominam a arte da sedução. Entre baralhos de cartas e o odor a coisas em fumo eles guiam as mães pela raiz do sonho, junto ao desespero. São os vendedores de uma grande mansão inabitada com portadas amplas. O jardim tem um escorrega para as crianças que já não há. As mães dão o seu corpo ao manifesto e os videntes percorrem com dedos finos o sistema límbico das cartas baralhadas.

São espantosas todas as coisas que não suscitam qualquer espanto. As árvores também são assim. Aconteceu um dia que alguém reparasse, ao cortar o tronco de uma árvore, na correlação entre os seus delicadíssimos anéis concêntricos e a sua idade.

A maneira humana de lidar com a ignorância é a de criar uma ciência. A ciência dos anéis das árvores é a dendrocronologia, um método que permite uma datação absoluta de determinados contextos climatéricos. Como as poupanças familiares, um "ano bom" em termos de clima, com bom sol e boa chuva, permite às árvores crescerem mais em altura e em espessura. Os anéis de uma árvore são a sua biografia.

Há dias em que as mães se sentam a uma mesa com os filhos e começam a descascar fruta. É uma homenagem às árvores. O fruto concretiza-se no momento de ser comido. Somos todos alimento de alguma coisa entre o amor e a terra. Há uma curva invisível que vem da distância, muito anterior ao nosso nascimento, que nos guia através de florestas.

Não há silêncio quando uma árvore morre na floresta porque toda a floresta escuta o seu murmúrio profundo. A árvore tombada deixa-nos o seu tronco histórico como um documento. Diz-nos: "esta é a minha vida". É essencial que façamos silêncio.

O silêncio é o calor que acontece quando, em roda da mesa, as crianças, caladíssimas, degustam pedaços de pêra, maçã, uvas numa taça, gomos de laranja. O mesmo calor do tronco morto quando crepita em brasas e solidão, agarrando-se às paredes da chaminé como um desalmado. O silêncio é a mãe descascar-se dia após dia, gomo após gomo, até à semente. Os filhos jamais agradecem o fruto, mas estendem a mão. E na mão está a prova científica do seu amor radical. 

Pedro Eduardo Ramos 




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